quarta-feira, 21 de maio de 2008

O ciclo da violência ou o estúpido sentimento de vingança

O ser humano está estranhamente talhado para esquecer rapidamente aquilo que lhe fizeram. Ou pelo menos alguns seres humanos assim estão talhados. Outros, não esquecendo aquilo que sofreram, aquilo que lhes infligiram, decidem fazer aos outros aquilo que durante anos os castraram e os fizeram sofrer. Por vários motivos isto sucede na Palestina. Sucede com um Estado de Israel que perpetua uma espécie de eugenia contra um território e um povo esquecendo que foram vítimas do massacre mais vergonhoso da história. Do lado Palestiniano as respostas são dadas sob a forma de terrorismo (porque quem ataca é terrorista; quando eles atacam estão a defender a integridade do território), e num ciclo imparável de violência, as novas crianças vão crescer entre fanatismos e terror e perpetuar a violência. Qualquer um de nós mataria se visse os seus serem mortos de forma cruel, em prol de algo que nem tem sentido de existência, e se fosse educado na base do ódio aos outros (os israelitas). Misturando-se religião e formas deturpadas de a entender, o ódio torna-se ainda mais grave. Possivelmente nunca algum de nós irá perceber porque existem bombistas suicidas: está demasiado fora do nosso alcance e da nossa realidade.
Outro dos acontecimentos mais vergonhosos da história terá sido em meu ver o Apartheid. De forma alguma é aceitável que nos tratem abaixo de cão, nos separem e nos usem como meros objectos de pancada e como meros “animais” de carga ou escravos de mão-de-obra. Mas, a queda do Apartheid trouxe um novo “Apartheid”. Aqueles que durante anos foram oprimidos e mortos de forma cruel, decidiram começar a matar. O alvo: aqueles que durante anos os fizeram sofrer, o opressor. Consequência? Ao invés de tentarem construir um novo país e os pilares para uma nova democracia com uma justiça eficaz, empenharam-se na vingança. É simples, todos os seres humanos são sedentos de vingança. É absolutamente primitivo e irracional. Mais uma vez, nunca poderíamos entender o que leva um ser humano a matar uma família inteira ou a queimar outros seres humanos vivos. A vítima de crimes de ódio passa a ser um criminoso que age por ódio a um grupo, a uma raça, a uma etnia. Infelizmente, a África do Sul não tem conseguido superar os danos de anos de Apartheid. Entristece-me por motivos pessoais e por motivos que vão para lá disso. Para os brancos que acreditam na sua superioridade, a culpa é dos pretos que efectivamente não sabem ser civilizados nem auto-governar-se, esquecem-se que escravatura é a forma mais clara de mostrar que alguém é incivilizado. O próprio racismo é primitivo e mostra as quão desprovidas de conhecimento e esclarecimento estão as mentes humanas. Hoje, enquanto escrevo este texto, na África do Sul muitos que apenas queriam uma nova oportunidade de construir uma vida, estão a ser perseguidos, chacinados, mortos. Queimados vivos ou espancados até à morte. Tudo porque apenas queriam começar num outro país uma vida que no seu não conseguiram ter. E o mesmo sentimento de ódio criado pela falta de estruturas sociais e pela falsa ideia, que sempre consegue revoltar e manipular as massas, de que a culpa quando as coisas estão mal é dos emigrantes, vai espalhando-se com uma violência espantosa. E enquanto que algum dos brancos que se sentam confortáveis nos seus sofás deste lado do planeta pensam que a culpa é dos pretos que não sabem ser civilizados, esquecem-se todas as suas formas de fazer o mesmo que todos os dias acontecem: quando olhamos de lado, quando fugimos, quando deitámos a culpa da nossa inércia e falta de vontade de procurar um emprego ou suportar um trabalho para os emigrantes.
Fica no ar a ideia de que apenas se pode mudar o rumo da África do Sul através da educação. Durante gerações a educação falhou e o sentimento de vingança foi perpetuado, agora é preciso corrigir os erros de muitos anos de colonização. Como em todos os outros lugares de África.

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