domingo, 16 de dezembro de 2007

Infelizmente não posso nem consigo compartilhar na totalidade da tua opinião quanto à "autoridade exponencial" supostamente exercida de forma brilhante por Portugal nem ao balanço claramente positivo que fazes da cimeira.
A relação UE-África encerra uma multiplicidade de densas questões que, na minha opinião, só conhecerão um passo na sua efectiva resolução quando uma série de outras situações forem ultrapassadas. E elas são várias. Em primeiro lugar a vontade da UE. Esta tem que ser genuína e sincera para com o continente africano e não fruto do medo de ser ultrapassada em termos de influência pelo gigante chamado China. Ora neste capítulo, a ser uma vontade genuína e determinada, a UE tem que marcar claramente a diferença em relação ao governo mandarim: clamar e lutar, sem rodeios, pelo respeito absoluto dos Direitos Humanos. Trata-se até de uma própria forma da UE se valorizar e credibilizar perante o 3º Mundo, porque a UE pode e tem de ser muito mais que um parceiro petro-comercial. E então? O que é feito nesse sentido? Sudão, Líbia, Zimbabwe, Eritreia, Etiópia, Somália, Angola, ... A solução não é militar; para (corruptos) polícias do mundo já temos os EUA. A solução é, no meu entender, diplomática e exige um trabalho de formiga. Sanções comerciais; denúncia e condenação pública sem reservas; promoção e ajuda a movimentos democráticos libertários no interior dos países; pressão diplomática sobre outros países africanos para que estes pressionem por sua vez os regimes ditatoriais; ajuda humanitária (porque a ajuda gera gratidão e a gratidão gera desejo de mudar o estado das coisas que nos rodeia);...
Em segundo lugar, a UE, que tanto fala da sua nova responsabilidade como ex-colonizadora, tem que suster a vaga neocolonialista. E aqui sim, Manel, falo sem reservas de um "capitalismo selvagem". Um neocolonialismo onde já não interessa o domínio territorial e político, mas onde o processo de interacção económica é o mesmo de sempre: os países desenvolvidos exploram à grande e à francesa as aliciantes matérias primas africanas (somando-se aqui a destruição crescente dos recursos naturais) com custos ridículos (salários, rendas, etc), vendendo depois os produtos transformados por todo o mundo e aos africanos também, só que a preços igualmente ridículos, mas agora pela descrepância relativa ao custo de produção. Mas o neocolonialismo praticado pelos países da UE (e muitos outros fora desta) passa ainda por uma injustiça gritante no que diz respeito aos termos de troca. Assim surgem com naturalidade as profundas assimetrias norte/sul. A UE não pode ser hipócrita, nem que isso implique (e só era bom que implicasse) confronto aberto com os EUA, Japão, Rússia ou outro qualquer. Se quer ser um verdadeiro parceiro dos africanos, a UE tem que negociar (importações e exportações) com estes nas mesmas condições que o faz com grandes potências. Negociar de igual para igual, em termos justos e profícuos para ambos. Sempre.
Em terceiro, a UE tem que ser coerente. Nos propósitos, nas acções, nas amizades institucionais. Se quer condenar Mugabe, Kadhafi José Eduardo dos Santos ou Omar Bashir no que diz respeito a Direitos Humanos (e acho fundamental que o faça) então também o deve fazer com os EUA, a China ou a Rússia. Se deseja e financia projectos de ensino em África não pode depois encetar estratégias que conduzam à fuga de cérebros, pois são estes que vão fazer a nova África: dinâmica, rica, igualitária, tecnológica, democrática, ecológica (tudo isto se não se repetirem os mesmos erros do passado...).
Voltando então à questão inicial não posso pois concordar inteiramente quando falas desse papel brilhante desempenhado por Portugal e, neste caso, por Sócrates. Porque quando ainda há tanto por fazer, e o que foi feito reflecte já que nada se aprendeu com o o passado (desregulação do mercado de trabalho, exploração ávida dos recursos naturais, políticas sociais inexistentes) não é possível, no meu entender, podermos congratular-nos com tanta determinação. Portugal não desempenhou um mau papel. Simplesmente o real politik é assim mesmo: agitar o menos possível, assinar o que houver para assinar sem grandes espalhafatos e não estragar amizades. Foi o que Sócrates fez.

Nota: isto era para ser comentário ao teu post, mas devido à dimensão do texto achei melhor colocá-lo como post.

Um abraço

5 comentários:

david santos disse...

Passei para desejar-lhe um bom final de 2007 e um bom ano de 2008.

Aproveito para LHE pedir que participe na blogagem colectiva que se está a realizar hoje, dia 17, em prol da menina Flávia

http://flaviavivendoemcoma.blogspot.com/

D. disse...

estou de acordo contigo, a Europa tem a responsabilidade de não pactuar com lideres que violam os direitos humanos, principalmente se ela quer ser a defensora mor desses direitos. pelo menos uma vez podiam deixar-se de lado os sorrisos que ficam bem na fotografia e pensar que os acordos económicos eram bem melhor concretizados se ajudassem a combater o flagelo da fome e da SIDA, que continua a não deixar o território africano desenvolver...
e não me quero alongar mais, tenho de ir dar em introdução xD

Sara Morgado disse...

Concordo contigo. Como já tinha dito no blogue do Manel, pôr à disposição os melhores hóteis, permitir tendas de circo e outras mordomias aos mais corruptos e vigaristas do planeta não é, de facto, coerente. Esquecer todos aqueles direitos violados e os desníveis económicos incríveis desses países, não faz sentido, ainda por cima pela UE. E essa tal ajuda que a Europa irá oferecer, dita aos tais senhores de lá, torna tudo hilariante. Oferece-se ajuda ao povo e aperta-se a mão a quem os lixa. Toca na hipocrisia e no sorriso colado a cuspo, prontinho para a ocasião.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

as minhas comunistas abandonaram-me :(

D. disse...

oh manel, estaremos sempre aqui para te tornar num homem intelectual de esquerda... xD