Há dias, alguém argumentou, numa amena conversa acerca da cimeira lá na FDUP, que "os espanhóis, esses safados, fizeram um tratado com a Líbia que não envolve os restantes membros da UE". Foram estas, mais ou menos correctamente transcritas, as palavras.
Este estranho fenómeno foi mencionado na TV, é um facto, mas a sua importância não é relevante. De facto, todos os países presentes na cimeira, tanto os convidados, como por exemplo o Brasil, como os directamente envolvidos, realizaram tratados de comércio e cláusulas especiais entre si, aproveitando a onda de abertura que raramente se dá com os países africanos. Portugal, o organizador, foi provavelmente quem mais beneficiou com estes contratos. Os 10 milhões que o Estado já pagou a mais do orçamento previsto para a cimeira vão, provavelmente, render a curto prazo. Isto não pode ser considerado, como muitos autores referem, um atentado contra os princípios de uma cimeira. De facto, o que se discute é uma maior aproximação entre a Europa, antiga colonizadora, e a África, o que restou dos movimentos de descolonização. E obviamente, o comércio é uma parte importante desta discussão. Não podemos simplesmente reprovar as atitudes dos Estados, nem debutar cá para fora os habituais slogans de "capitalismo selvagem".
De facto, os últimos acontecimentos são extremamente importantes para a nossa história e também para a história mundial. Enquanto país pequeno, o papel de Portugal na presidência da UE deu-lhe uma autoridade exponencial que exerceu brilhantemente. Abriram-se portas em África que, de outra forma, se teria de esperar muitos anos para abrir. Tal como há 500 anos atrás, os europeus ganharam, graças a Portugal, uma definição mais real do que é África, suas necessidades e políticas.
Mais importante, a UE mostrou ao mundo que não é uma federação onde os Estados mais poderosos exercem uma soberania limitadora. De facto, a ausência do Reino Unido, em conflito com Mugabe, mais a previsão negativa do balanço da cimeira, eram as grandes némesis do Governo Português. Todas elas foram ultrapassadas com sucesso. O Reino Unido não fez falta, antes perdeu com a sua ausência, Mugabe foi ignorado ou viu-se desamparado pelos seus aliados africanos perante as críticas da chanceler alemã, e aprovaram-se documentos politicamente correctos e funcionais, combinação rara, para doravante as relações UE-África se regerem. Tudo isto se deveu a um profundo tacto diplomático e a um bom trabalho legislativo e jurisprudencial. Finalmente, podemos dizer que a cimeira trouxe uma "ponta por onde se lhe pegue", pelo menos teórica, que não será esquecida.
E agora, um resumo infelizmente mais alargado do lado negativo da cimeira.
A discussão nunca se aproximou do que de concreto se passa tanto em Darfur como na Somália. O atrás referido tacto diplomático de José Sócrates achou por bem não "roçar" sequer na problemática que o mundo mais queria ver a ser discutido na cimeira. De facto, a amenidade do discurso tomou como garantida as boas intenções de todos os líderes presentes. O que não é verdade. Encontravam-se na cimeira vários dirigentes e representantes cuja legitimidade democrática era facilmente questionável. Está por discutir a formação de uma força militar europeia para estabilizar (devidamente autorizada pela ONU) as zonas acima referidas, e também a tomada de responsabilidade de Portugal para a formação dessas forças.
Compreendo, embora não concorde, que a Cimeira se veja politicamente proibida de se referir aos Chefes de Estado do Zimbabwé e do Sudão e Líbia como aquilo que eles são, ditadores e tiranos, mas existem problemas em África, como o extermínio de cristãos etíopes em Darfur por tropas somalienses, que não podem ser metidos na gaveta pelas prerrogativas de protocolo!
O que mais me surpreendeu foi a mesquinha mentalidade dos partidos de extrema esquerda e direita do norte da Europa e de Portugal também.
A verdade é que a presença de Mugabe e Khadafi é prejudicial para todo aquele que pretende justificar um diálogo democrático e legítimo. Mas esquecem-se que em África existem muitos outros casos, que não vêm ao corrente por duas razões: a primeira, porque o erro de Mugabe foi ter expulsado proprietários brancos e britânicos, logo se expondo à voz brutal dos media ingleses. A segunda, porque Khadafi se expôs também ele aos media anglo-saxónicos, pela sua já muito arrependida ligação com a Al-Qaeda.
A verdade é que, enquanto órgão de soberania e força representante da democracia, a UE tem a obrigação de se responsabilizar por África e pelos seus habitantes, independentemente da sua cor. E tal não acontece. E, parece-me, tão cedo não vai acontecer.
Resumindo, o balanço da Cimeira é positivo, e é motivo de orgulho no nosso país enquanto elo de ligação Europa-África. O que mais uma vez se adia, é a responsabilização, tema tão repugnante aos meios políticos da época, a atribuir pelos massacres que nesse continente se perpetuam, e a responsabilidade que a UE tem para com o povo africano.
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1 comentário:
queria jáagora aproveitar para agradecer ao nosso "edukador" por ter aceite o convite, e desejar-lhe boa sorte neste blog, e pedir desculpa por ter chamado de irmãozinho ao almanaque, foi de facto um termo infeliz. não é um irmãozinho, é um IRMÃO mesmo.
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