quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

No seguimento do meu último post:

Para a maior parte daqueles que são pobres e apoiam Zuma, porém, a vida tornou-se mais difícil no plano social como económico. Segundo o Instituto Sul-africano das Relações Inter-raciais, é certo que a economia registou um crecimento rápido desde 1994, mas o número de desempregados duplicou, passando de dois milhões em 1996 para 4,2 milhões actualmente.
Se a elite exalta Mkebi por ter permitido o surgimento de uma nova classe média negra, quase 50 por cento dos sul-africanos vivem abaixo do limiar da pobreza. Por outro lado, cerca de metade dos trabalhadores sindicalizados sul-africanos ganham menos de dois mil rands (200 euros) por mês e a maioria viu o emprego precarizar-se. Para a maior parte da população, as desigualdades sociais e económicas que eram a regra no tempo do "apartheid" perduraam e até se agravaram sob a presidência de Mbeki. Pior ainda, os trabalhadores têm a sensação de que o seu destino está, mais do que nunca, nas mãos do ANC.

in Courrier Internacional (7 a 13 de Dezembro de 2007)

A África do Sul é considerada actualmente, sabe-se lá porquê, como o país mais poderoso de continente africano. Pois é. Mas os dados que o Courrier Internacional nos dão são elucidativos: desregulamentação total do mercado trabalho, exclusão social, gritantes desigualdades... Condições recíprocas e complementares para a miséria de um país.
Onde é que já vimos este retrato? Localizemo-nos geografica e temporalmente. Segunda metade do século XX: Sudeste asiático e América Latina. Instigados pelo bom samaritano EUA, países de um e outro continente abrem-se ao milagroso liberalismo americano esperançados em alto crescimento económico, contenção da inflação, criação de classe média, distribuição equitativa da riqueza, combate às desigualdades, cuidados de saúde alargados e de qualidade, ensino universal e de qualidade, ... Resumidamente, esperançados numa sociedade desenvolvida, próspera e sem fossos entre ricos e pobres, elites e marginais, privilegiados e oprimidos.
E então? O que nos deixou esse legado da brilhante ingerência económica dos EUA nos países onde impôs as suas máximas capitalistas (depois de derrubar os governos eleitos democraticamente que havia a derrubar)? Dos propósitos que enunciei, deixou apenas um, o de sempre: crescimento (e não desenvolvimento) económico.
E hoje? Em pleno século XXI, século do conhecimento, da ciência, da tecnologia, da consagração (?) dos Direitos do Homem (e para aqui interessam principalmente os de segunda geração) o que temos? Pelo excerto que transcrevi, poderíamos chegar a pensar que o país em causa seria um recém descolonizado africano ou um outro qualquer dos continentes que acima referi da segunda metado do século XX. Mas não. Falamos de um país que desde finais de 70 se livrou do repugnante apartheid e passou desde então a funcionar como um Estado de Direito Democrático. O que se seguiu? Políticas económicas definidas pelo Banco Mundial e pelo FMI que desembocaram no que o Courrier Internacional testemunha. Ora e onde está a UE nisto tudo? Pois é, a UE está precisamente representada, em peso, nos organismos (Banco Mundial e FMI) que orientaram a África do Sul na sua suposta senda do progresso. Onde está a dúvida? Quem querem enganar?
Os mesmos manda-chuva, os mesmos lobbys, as mesmas políticas, as mesmas ingerências, os mesmos erros... hoje como no passado. E estamos a falar da "poderosa" África do Sul! Imaginem o expoente a que temos que elevar esta situação no resto da maioria dos países africanos...

A título de curiosidade, acrescento que o excerto que trouxe para aqui faz parte de um artigo que se focava nas eleições para a presidência do Congresso Nacional Africano (ANC), que colocou frente a frente Thabo Mbkei (Presidente desde 1999 e empreendedor de uma fortíssima política neoliberal que, entre outras coisas (muitas delas aqui citadas), gerou o fracasso do Black Economic Empowerment nos seu verdadeiros propósitos) e Jacob Zuma (considerado o defensor dos esquecidos do crescimento e apoiado pelo Partido Comunista Sul-Africano e pelo Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos). Jacob Zuma ganhou há uns dias as eleições e dele se espera algo diferente e corajoso para os milhões e milhões de sul-africanos para os quais os Direitos do Homem pouco ou nada dizem.
O meu entusiasmo, no entanto, e perdoem-me o pessismismo, não é grande. É que Zuma foi vice-presidente precisamente de Mbeki...

Um abraço




1 comentário:

D. disse...

também devemos atender ao facto de que se Zuma empreender políticas comunistas soviéticas, o país irá mergulhar num regime sem liberdade de expressão, condenado a fracassar e a ter uma má distribuição da riqueza, pois a planificação da indústria a atrofiará. esperemos para o bem de todos os Sul Africanos que Zuma consiga ser moderado e aproveitar aquilo que de bom há na filosofia comunista, não esquecendo os erros do passado, ou será apenas igual ao antecessor, com a diferença de ser de esquerda e não de direita.