domingo, 25 de maio de 2008

Era uma dose de ensino gratuito se faz favor!


Vivemos uma sociedade estranha. Marcada por estranhos comportamentos e estranhos costumes. Todos os dias constatamos o pouco altruísmo que existe entre nós. A amizade cada vez mais é só um conceito para unir grupos e estereótipos.

Eu tenho uma teoria, e sublinho, teoria, pois ainda não foi posta em prática e não tenho maneira de a equacionar no mundo real. Mas numa perspectiva teórica o facto de pagarmos para estudar é, do meu ponto de vista, ultrajante. Porque em primeiro lugar é uma redundância recheada de injustiça, no cerne da questão está o facto de nós estarmos a aprender algo para mais tarde o pormos em prática, tanto ao serviço do Estado como, e acima de tudo, para mantermos o tipo de sociedade vigente – (de facto também podemos usar os conhecimentos para a desafiar, mas o preceito é usa-los para nela nos integrarmos e alguns usam os conhecimentos adquiridos para a melhorar.) Sendo assim, e estando nós em controlo subjectivo da educação, e digo isto porque reparem, se todos nós estudantes congelasse-mos o ensino, isto é simplesmente não estudássemos ou fizéssemos algo útil para a Sociedade, passaríamos os dias na praia a comer areia e a beber agua salgada, quando chovesse ou fizesse frio íamos todos para de baixo de umas rochas. Nalgum momento durante este revolução se a adesão fosse 100% iria começar a existir falta médicos, enfermeiros, advogados, engenheiros (…) Infra-estruturas existiriam muitas: consultórios para serem arrendados, litígios para serem resolvidos, pessoas para serem curadas iriam existir uma massa enorme de assuntos e casos relacionados com estes sectores, no entanto os profissionais iriam começar a ser poucos, visto estarem na praia. (Peço desculpa pela leviandade.)
Passo a passo os efeitos iriam sentir-se, e a nossa falta nesta sociedade iria ser sentida, iríamos mudá-la e talvez as nossas pretensões conquistadas.
Sendo assim, se nós estamos a ser preparados para em princípio actuarmos de modo a proteger uma maneira de vida, uma forma de sociedade, por que temos que pagar pela nossa formação?

Sinceramente, compreendo muitas das questões de bastidores. E compreendo a necessidade das Instituições da Educação em sobreviverem com os parcos orçamentos dispensados pelo Estado, no entanto o mais importante aqui, e sem tirar relevância à questão prévia, é a outra face da moeda – quantos milhares de jovens com enorme potencial para enriquecer determinadas áreas, talento tanto de potencial cognitivo mas também de, como se diz na gíria, de terem queda para, ora devido aos elevados custos da educação, à necessidade de muitas vezes terem que mudar de cidade, entre outros problemas ficam sem hipóteses de uma educação superior. É um desperdício de potencial, logo nesta altura que o país precisa de todas as cabeças a pensar juntas na resolução dos mesmos problemas. Essas cabeças acabam por ser desperdiçadas em trabalhos de enorme valor mas que no entanto não são nada adequadas para o potencial deles.

Também tenho consciência do bónus que as bolsas fornecem, tanto as de mérito como as de necessidade. No entanto, essas nunca cobrem a totalidade dos custos, além de que a corrupção do sistema social é um facto abrangente, assim como a duvidosa seriedade das pessoas que têm rendimentos por baixo da mesa e não os declaram ou só declaram parte o que leva a um sem número de verdadeiros necessitados desse pequeno suplemento que no entanto dão por si privados de bolsa.

Como já dei a entender defendo avidamente um ensino público grátis. Alguns dirão que um ensino público grátis iria cultivar a malandrice, e a preguiça nos estudantes. Eu respondo que a par com um ensino de graça também pretendo um que valorize quem se esforce e demonstre mérito, pois aquele que por motivos inadequados falhar, deverá pagar por essa educação, porque não demonstra o mérito necessário. Elitismo? Não, penso que não. Mas de facto não é, dentro do que eu penso, um suposto dever de outros pagar a malandrice de alguns. Por outro lado, também não defendo que um aluno só por apresentar notas negativas deva ser logo excluído, uma comissão de pessoas capazes, inteligentes, compreensivas, e acima de tudo justas e dotadas de bons princípios morais deve observar o caso, e se por acaso, a conclusão for que houve algum factor externo ao aluno que tenha levado a um período de clara irresponsabilidade ou loucura, bem deve ser compreendido.

Não estará na altura de exigir um compromisso em que o «Estado assumisse plena responsabilidade pelo financiamento integral do subsistema de ensino superior público, concretizando a progressiva gratuitidade que a Constituição da República consagra, eliminando o sistema de restrições quantitativas globais no acesso, abrangendo a generalidade dos domínios do conhecimento, satisfazendo as necessidades sociais e as aspirações pessoais, e cobrindo equilibradamente o território nacional?»

Não será altura de surgirem orçamentos em que a educação seja realmente privilegiada, em que o aluno, o estudante, o futuro governante, o futuro membro da sociedade seja protegido, e porque não dizê-lo ajudado. Afinal de contas nós somos o futuro, tudo depende nós, e muitos dos anciões dão pouco por esta geração, mas quem está cá, passo a passo sente a responsabilidade e sente a verdade, que nós iremos fazer a diferença. Mudar um pouco, por mais ínfimo que seja o mundo à nossa volta.

Sou alguém pacífico, o mais violento que posso ser é agarrar-me ao PC por 19 horas a jogar Unreal. No entanto é altura de mexer algo, de gritar algo, o ano que vem talvez seja o ano daquele oásis. Agora que o rumor , cada vez mais vernáculo se ouve, captamo-lo a cada esquina o som do aumento da propina. Protegido pelo do empréstimo protector. Que parceria, que duo, que dependência, que entrada no mercado de trabalho. Aos meus olhos e citando a gíria, parecem-me desculpas de mau pagador!

«Nós queremos ensino gratuito», por que nós «temos um sonho.» Unidos sem preconceitos, sem diferenças, se não for pedir muito sem pretensões de catilinários. Que o grito pacifista despolete. E que algo mude!

Eu quero que mude, e vocês?

8 comentários:

Francisco disse...

"Agora que o rumor , cada vez mais vernáculo se ouve, captamo-lo a cada esquina o som do aumento da propina. Protegido pelo do empréstimo protector. Que parceria, que duo, que dependência, que entrada no mercado de trabalho. Aos meus olhos e citando a gíria, parecem-me desculpas de mau pagador!"

Tal e qual.
É por merdas como estas que gosto tanto de ti, mano. Transpiras juventude e inconformismo! Tudo num manto pacifista, claro. :)

Um abraço

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

são os maus costumes que se incutem nas nações. o nosso foi o de nos termos habituado a pagar pelos estudos.
podemos no entanto mudar isso.
os nossos pais já pagam impostos em número suficiente para podermos protestar pelo mau uso que lhes é dado.

D. disse...

:) este texto está brilhante.
totalmente de acordo, o valor das propinas é altamente castrador, além de fazer com que muita gente acabe por desistir ou não dar o seu melhor porque tem de dividir o tempo dos estudos com o tempo de trabalho.

TR disse...

Também quero que mude, mas num sentido diverso. Passo e expor os pressupostos do meu raciocínio.

A prestação de ensino gratuito tem dois pressupostos básicos:
1. O primeiro é objectivo- uma população ilustrada, altamente capaz, com elevados níveis de formação e de civilidade é um contributo essencial para que o um Estado atinja a prosperidade social e económica (a primeira claramente mais dificil de alcançar mas, a meu ver, mais importante.
2. O segundo é subjectivo - a educação serve para cada indivíduo desenvolver em pleno a sua personalidade, para que se sinta, em linguagem corrente, "realizado".

Pensar a educação esquecendo um qualquer dos pressupostos é, a meu ver, um erro. Se nos focarmos exclusivamente no primeiro, assumimos que o indivíduo só é "educado" na medida em que serve o interesse do estado. Uma perspectiva que nega a própria dignidade da pessoa e a substitui por quaisquer ideários transpersonalistas.
Ee, por seu turno, apenas nos focarmos no segundo, acentuamos uma feição demasiado liberal do Estado, em que o indivíduo só recebe do Estado, nada tendo de contribuir para o bem-comum. Nas últimas consequencias, negamos a solidariedade dentro da polis.

Posto o que tenho considerado só posso tirar uma conslusão:
por um lado, na medida em que há uma externalidade positiva de uma população com elevados níveis de formação (isto em raciocínio económico), o Estado deve financiar a educação.
Por outro, na medida em que o inívíduo também retira um benefício individual, também deve contribuir de sua parte.

Creio que não tenho de provar os problemas de ser só o indivíduo a subsidiar a sua educação - são evidentes. Mas quanto a ser APENAS o Estado a subsidiar, ora, há muitas injustiças que daí poderiam advir! desde logo, aqueles individuos que, acabando o ensino superior, partem para o estrangeiro - como se justifica aqui a contribuição do Estado? ou aqueles que não vêm a exercer a profissão para que estão habilitados...Como é que se justifica que TODOS paguem e contribuam para estes? E mesmo quando exerça a profissão, creio que não se justifica que toda a população subsidie a globalidade da formação daqueles que percorreram o ensino superior...Os benefícios para a sociedade comparados com os do próprio não justificam o tamanho investimento do Estado e a total ausência de contribuição do beneficiário.

Abro, no entanto, duas excepções:
1. A formação obrigatória deve ser gratuita.
2. Ninguém deve poder deixar de aceder ao ensino superior por insuficiência económica. Creio até que as bolsas de estudo para quem efectivamente precise (para o apurar verdadeiramente há que fazer um grande trabalho na área do Direito Tributário e Fiscal - ver quem declara os rendimentos ou não) devem providenciar quer propinas gratuitas, quer alimentação, quer alojamento, quer, até, algum valor para gastos pessoais. Sempre de acordo com a necessidade de cada um. Quem pode deve pagar, porque também investe em si. Quem não pode, não, por imperativos de equidade social.

No entanto, a solução que desejaria verdadeiramente (só que não exequível por agora, daí que só nesta parte a exponha) seria a de que cada um, independentemente da condição económica, pagasse o seu curso. Como? Depois de o acabar, quando o seu nível de rendimento ultrapassasse determinado valor (e só apenas neste caso )passaria a desontar uma parte do mesmo para pagar o curso que em tempos tirou. As vantagens são as de que cada um investe em si e, acima de tudo, quem nunca pudesse pagar o curso que frequentou nunca o pagaria.

Creio que é a melhor solução em termos de justia social (acho que é o modelo inglês).

Cumprimentos.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

não sei se é o modelo inglês, sei que é um modelo de um dos famigerados países escandinavos que tanto andam na boca do mundo :)

no entanto Tiago, os impostos que pagámos hoje, o investimento que o Estado faz na educação todos os anos, já justificam que possamos manter o actual sistema e ao mesmo tempo assegurar um sistema de ensino bem mais "igualitário" e gratuito.

D. disse...

não sei se algum de vós, já se candidatou a bolsas de estudo. bom, de qualquer das formas, eles usam um sistema computorizado de confirmação de rendimentos com as despesas que são declaradas. logo, quem mete é à partida apanhado. e mais, para evitar que muita gente tenha bolsa devido a rendimentos não declarados, esses mesmos rendimentos podem ser declarados apenas para os efeitos da bolsa. claro que na prática isto vai permitir que quem ganha muito continue a fugir ao fisco, enquanto que os que usam os pequenos biscates domésticos para subsistir são logo detectados. mas sempre é um ponto de avanço.

TR disse...

Manel, foges à questão de fundo. O teu argumento é que o estado aplica mal o dinheiro dos impostos. É evidente que sim. Mas o que digo é que o que devia ser era cada pessoa pagar algo e o Estado investir. No fundo, em vez do Estado suportar a "propina" de cada um, investir, por ex, esse dinheiro em inestigacao cientifica.

DAniela, o problema central acho que passa mesmo por aí...Há que saber quem precisa e quem não precisa. E isso é uma luta imensa! Só se soubermos quem realmente precisa é que podemos "dar" bolsas. No entanto, entre dar uma bolsa na dúvida ou não dar nenhuma prefiro a primeira opção, por certo (e não sabia isso que contaste:)

Cumprimentos.

TR disse...

porque assim pelo menos ninguém é privado de aceder ao ensino superior...