quinta-feira, 29 de maio de 2008

No seguimento do post do Nélson sobre o ensino e dos comentários a ele adjacentes, lembrei-me de uma aula da Professora Anabela Leão e por isso pensei: "vou (tentar) lançar uma guerrinha!".
Assim sendo:

Quando a CRP nos diz, na alínea a) do nº 2 do artigo 64º, que o serviço nacional de saúde nacional é "universal e tendencialmente gratuito", o termo "tendencialmente" significa exactamente o quê? Aqui não há exegese ou hermenêutica possível. Porque a letra não é efectivamente clara. "Tendencialmente" significa a tender para 0 e por isso no futuro totalmente gratuita? Ou significa o mais universalmente acessível a todos, especialmente aos mais carenciados, o que implicará sempre um mínimo monetário?
Ora na Educação, na teoria, o problema não se coloca. Pois que a alínea e) do nº2 do artigo 74º assevera “Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino”. O advérbio aqui tem uma conotação completamente diferente do anterior. Parece-me aqui claro a intenção prático-normativa do legislador: com o tempo, fazer de todos os graus de ensino livres de encargo financeiro por parte dos utentes. Ainda assim, recorrendo ao clássico "espírito" da lei romano (teleológico, histórico e sistemático), e tendo em conta que:
a) Teleológico - a finalidade é uma e única: garantir a todos educação, cultura e todos as demais condições para um futuro próspero;
b) Histórico – num contexto de um Estado Social (e num momento como é o 25 de Abril), em que se quer que a socialidade passe de uma esfera jurídico-positiva para uma esfera material, real;
c) Sistemático – a CRP apresenta um fortíssimo pendor humanista e social (são tantos os artigos que não vale a pena transcrevê-los);
Eu creio que o ensino deve ser gratuito, sem reservas ou atenuações. Universal e gratuito. Confesso que a ideia do Tiago Ramalho é sedutora. Todavia, creio que o investimento educativo nos cidadãos pelo Estado é um dever e não um direito relativo ou de crédito. Um direito que implica um retorno ou uma compensação. Pôr em causa esse dever é, a meu vêr, pôr em causa o Estado. Evidente que isto não fará sentido nenhum para os ditos “liberais”, mas fala-vos um acérrimo apologista de um Estado presente, solidário e promotor de um desenvolvimento sustentado e em plena igualdade de oportunidades para todos. O que depois vamos ou não fazer para o bem comum é outra coisa. E, no limite, ninguém tem a obrigação de o fazer, por mais que eu ache que o deva, de forma a contribuir para um presente harmonioso e um futuro ainda mais próspero e solidário.
Tiago, não sei se o modelo que referiste é o inglês ou, segundo o Manel, o nórdico. Todavia, entre os nórdicos, pelo menos o finlandês não encaixa nesse modelo. E não deixa de ser um sistema universalista e gratuito. E de excelente qualidade. Se vos contasse pormenorizadamnte os meandos do sistema vocês achariam ridículo o que aqui temos vindo a discutir sobre a gratuidade ou não do ensino.
Gostava de desenvolver um pouco mais esta exposição mas o estudo, neste momento, afirma-se castrador.

2 comentários:

Nelson Rocha disse...

Somos deslumbrados pelas mais variadas divagações. Aqui o caro Noronha sintetizou muito bem as pequenas nuances da nossa constituição e aplicou, a meu ver, muitíssimo bem o resultado do estudo de história do direito.

Ora, correndo o risco de ser tendencioso e redundante, a verdade caros colegas é que já sabem a minha opinião. A ideia do Tiago como o referiu o Noronha é muito tentadora. Talvez, e passando a subjectividade do termo, seja a mais "justa", sabendo nós o "background" de tal expressão. No entanto em relação há educação a justiça na relação estado e aluno - com contrapartida ou não deste ultimo. A verdade é que não é necessária.

Ora digo isto porque: porque o que eu peço são condições de gratuitidade no ensino para quem merece quem tem o mérito. A educação quer queiramos ou não é um bem de primeira necessidade para o desenvolvimento de um país, portanto a "suposta" contrapartida reside aí - sim uma percentagem pode emigrar mas a grande maioria se o estado abrir os trilhos certos , em parcerias universidades - empresas, os recémformados não irão sentir necessidade de partir para outras paragens. Afinal não é a pretensão de todos os países tornaram-se o número um. Então é altura do estado perceber que a "propina" não é o futuro certo.

Em segundo lugar porque a sociedade e a método social que vigora a não ser que seja contestado por algo que não vejo no horizonte precisa de nós para ser mantida, e digamos que as vozes de divergência ouvem-se cada vez mais alto.


Em terceiro subsiste algo que a mim, bem me faz alguma confusão. Reparem por exemplo no "dia de defesa nacional". Ficamos a par de inúmeros caminhos que podemos optar tendo a hipótese de tirar um curso, no entanto durante o ensino já recebemos um salário, no entanto esses para quem o estudo em princípio é totalmente grátis, no fim do curso tem que continuar vinculados ao Estado um número definido de anos. Ora aí, sim é necessária uma contrapartida directa visto que o investimento é "declarado" (não se limita a ser grátis mas oferece uma remuneração). Essas pessoas quando aceitam quando escolhem esse trilho já sabem que ficam "presos" ao estado.


Na minha ideia de ensino não me vejo a estudar pensando que no fim já estarei vinculado seja a que instituição for. Pretendo escolher o meu próprio norte, nem que seja para sul.

Pretendo algo sem pressupostos, sem exigências a não ser de mérito. Pretendo aquilo que afinal de contas aquilo que a nossa constituição berra baixinho!


Noronha grande "artigo" parabéns.
Como sabes deliciei-me com a tua análise.

Abraço

Anónimo disse...

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