Manel,
Antes de mais deixa-me esclarecer os visitantes deste blog que aqui, entre as várias temáticas enunciadas pelo Manel, não se discute apenas liberalismo. Até porque o “liberalismo” que é discutido não o é, de facto. Mas isto já nós discutimos. Para dizer pois que o liberalismo é uma das coisas que por aqui se discute. Digo isto porque se entrasse num blog por mim desconhecido e lesse “A temática do liberalismo, do ensino, da regionalização e da saúde...” ficaria a pensar num blog com cabeças a pensar todas da mesma forma. Coisa que aqui, felizmente, não acontece!
O texto está bom mas algumas imprecisões históricas graves desvirtuam, a meu vêr, o verdadeiro curso dos acontecimentos.
As respostas de cariz concludente que o Manel tentou dar para o seu primeiro ponto, de facto, não o são. Acabas a tua resposta para a justificação da natureza confessional do Estado isrealita como se tivesses dado a volta a questão. Quando não dás. Nenhum Estado contemporâneo no mundo, repito, nenhum, se formou com base numa comunidade religiosa. E a prova disso é que mesmo nos Estados com uma forte marca de certa religião, não foi essa religião que esteve na génese constitutiva do Estado. Evidente que a religião figura entre as tradições e cultura de um povo. Mas é só um dos múltiplos elementos desse repositório cultural. O nosso conhecido Jellinek disse um dia que os elementos de um Estado eram povo, território, poder político. Ora Israel, antes de ser Israel, não possuía território (já vamos ver porquê) nem poder político. Quanto ao povo, pouca importa que ele tenha sempre manifestado um “sentido de exclusividade comunitária”. Quantas tribos e etnias também não o fizeram e fazem. Por isso, não, não se pode falar de nenhum “Estado Israelita” antes da sua “representação” (eu diria ocupação, mas as palavras são tuas) territorial. Porque a ser assim, então também existem outros milhões de Estados no mundo; por outro lado, isso representa uma distorção e desvirtuamento total do que é, efectivamente, um Estado. Mas se me mostrares algum estudo de um qualquer reputado especialista que afirme que um “Estado é uma comunidade de pessoas que partilham a mesma religião sem qualquer fixação territorial ou poder político organizado” então terei que rever as minhas ideias.
“Durante a ocupação otomana da Terra Santa (séc XVI-XX), assistiu-se à ocupação da Terra Santa por famílias judaicas, que assim voltaram a este local, de onde foram muitas vezes expulsos”.
Olvidaste aqui um pormaior. Esta ocupação (aqui já falas de ocupação!) não foi feita do nada. Não foram meia dúzia de famílias judaicas que lá chegaram e se fixaram sem problemas. A ocupação foi negociada. Como? Comprando, repito, comprando, terras e propriedades. A quem? Aos colonizadores (Egipto, Turquia, França, Reino Unido) que por lá andavam e a quem pouco ou nada importava o povo que lá vivia. É certo que a Palestina nunca foi um Estado no sentido jurídico-constitucional. Porque nunca teve um poder político soberano, justamente por ter sido alvo de colonizações atrás de colonizações. Mas, ao contrário de Israel, habitava no território um povo há séculos e séculos. O facto de estes terem sido dominados consecutivamente por diferentes Estados não enfraquece esses núcleo fundamental: Povo e Território.
Embora o teu texto tenha incidido fundamentalmente sobre uma retrospectiva histórica, quando hoje falamos de Israel, não falar do EUA, é fechar os olhos a certa evidências. Não sei se é do vosso conhecimento a dimensão do lobby judaico nos EUA. Na política, na administração, na economia, nas multinacionais, no petróleo, nas guerras, … É um lobby às claras, sem constrangimentos. E o meu anterior post sobre Obama mostra isso mesmo. Recomendo nesse sentido que passem no Xatoo. É um blog que eu diria de extrema-esquerda, onde se sente algum anti semitismo (relativamente ao Holocausto, por ex) mas que faz um retrato exaustivo e fundamentado (e preocupante) das relações Israel-EUA. Por isso, relativamente a esse eventual anti-semitismo que venham a detectar, esqueçam que fui eu que vos sugeri para passarem lá, porque as minhas ideias, no tocante a essa questão, não se aproximam de forma alguma ao que lá é escrito.
Não é possível hoje resolver o conflito da forma como se tem feito: só por um lado. Israel aceita dialogar SE os palestinianos…. ; os EUA aceitam dialogar SE os palestinianos… ; a EU aceita dialogar SE os palestinianos…. Este tipo de discurso unilateral não leva a lado nenhum. Embora, como expus aqui acima, não reconheça a legitimidade de Israel à data para ocupar a Palestina e nela declarar unilateralmente um Estado, hoje, necessariamente, aceito e defendo a coexistência entre os dois. Mas uma coexistência que envolva a cedência em muitos aspectos por Israel. É que a sua intransigência, a sua violência sobre os palestinianos e o seu autismo (acompanhado de nuclear militar, claro) na zona, só reavivam sentimentos mais extremos e nada conciliadores.
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4 comentários:
Francisco, sei que deves andar ocupado com os estudos, ma seu não pude deixar de vir deixar uns "apontamentos" meus àcerca do teu texto:
Francisco, quanto à "natureza confessional do Estado isrealita", parece-me um pouco arriscado por as coisas nestes termos. o factor religião foi o motor por detrás da criação deste Estado, sim. mas não o foi também na criação da República Islâmica do Irão? não o foi, em grande parte, o grande motor da criação do Estado Português? tal como tu referiste, este elemento é insuficiente pela doutrina de jellinek, e eu abordei uma temática semelhante no meu texto sem usar jellinek. no entanto, se te lembras, eu falei "na presença de um Estado Judaico antes da sua representação territorial", no sentido que este povo sempre auferiu legislação própria, sempre viu serem respeitados, nos tempos de tolerância, os seus custumes e práticas de uma forma muito mais autónoma do que os restantes povos e custumes, devido à exclusão a que esta comunidade sempre se votou. o direito privado das comunidades judaicas era só aplicável a eles! de não esquecer que esta era a condição que os judeus impunham aos soberanos europeus para viver nos seus territórios, uma limitada submissão ao direito público, e uma total independência do direito privado judaico. os israelitas já reconheciam autoridades, já se esforçavam por manter contactos entre as diferentes comunidades, daí eu falar no Estado ou Pró-Estado deslocado de poder territorial.
em relação à presença israelita antes da independência, essa presença havia sido legalmente negciada, visto ter sido feita com os representantes dos palestinianos, que ainda não possuiam um mínimo de sentido nacionalista, e também de salientar que enquanto que os israelutas se estabeleceram a norte do rMar Morto, o núcleo do povo palestiniano vivia muito longe, a sul desse Mar.
Chegamos assim ao impasse mais importante, que é o de saber de quem eram as terras agora ocupadas pelos israelitas? eram exclusivamente palestinianas? e se o eram, eram reconhecidas como tal na época?
a resposta parece-me ser não...
ps: vou acabar com os títulos em latim
motor da criação do estado portuguê? nem sequer se podem comparar situações.
concordo em quase tudo contigo, francisco, mas para mim, por mais anos que passem, israel nunca será por mim visto como um estado que deve existir. trata-se de um invasor/opressor e se alguma vez houver solução para a situação que ali se vive, será ou porque israel conseguiu extinguir os palestinianos, ou porque simplesmente reconheceu que não tem direito de ser estado. pelo menos não em territórios de outrem.
Manuel,
A minah resposta quanto à religião como motor de criação de um Estado, o português e o iraniano por ti sugerido, é um redondo não. Acho que confundiste um pouco as ideias quanto à doutrina do Jellinek. Ele fala em povo, território e poder político soberano. Como refiro no meu texto, a religião é apenas um dos muitíssimos aspectos que dão cor à identidade, tradição e cultura de um povo. Aliás, tanto é apenas um aspecto dessa vasta panóplia que não é obrigatório nem está enraizado em todos os povos e etnias. Isto já passa evidentemente pelo conceito de religião e de Deus. Mas não vale entrar por aí.
Respondendo muito directamente à tua pergunta, é evidente que a religião não foi o motor de criação do Estado do Irão ou do Português. Acho que quando Afonso Henriques comecou a reinvindicar o nosso espaço na Península não foi propriamente por causa do cristianismo. Que eu saiba, era também precisamente este cristianismo a religião dominante em Leão e Castela, nossos inimigos. Parece-me a mim que o que era reinvidicado enquanto território tinha na sua génese a tradição e cultura muito própria e específica de um povo. Não faria parte a religião dessa tradição e cultura? Concerteza que faria mas, como te disse, era só um aspecto entre muitos.
Voltas a insistir na questão do “sentido de exclusividade comunitária". Agora no plano jurídico. Eu considero isso absolutamente irrelevante. Como já afirmei, quantas foram e são hoje ainda as tribos que manifestam a sua autonomia das mais variadas espécies? Os índios na Amazónia, as tribos na Áustrália. Mas isso não faz delas sujeitos dotados de legitimidade de se instalarem e proclamarem um Estado num território que pura e simplesmente... não é seu. Acho que isto é bastante simples.
Quanto às compras de terras, lembra-te que ela não foi feita entre judeus e palestinianos, mas entre judeus e colonizadores que, como disse, pouco ou nada lhes importava a quem pertenciam os metros quadrados que vendiam. Afinal de contas, eram eles quem lucrava. Agora, por mais porção de terra que tenha sido comprada, isso não faz do território seu território. Também creio ser esta dialéctica muito simples de compreender. E penso que afirmares que os palestinianos não tinham à data um "mínimo de sentido nacionalista" é de uma certa leviandade. Porque revela desconhecimento.
Insisto: não interessa s eo povo palestiniano era mais ou menos organizado, mais ou menos politica e institucionalmente coeso, mais ou menos autónomo dentro da imposição colonial. Interessa que existia um povo, um território. E este deve ter todas as condições para livre, pacifica e democraticamente alcançar consenso e criar o tal terceiro elemento: soberania.
Contudo, como já asseverei, hoje sou apologista de uma coexistência. Não por reconhecer qualquer legitimidade, muito menos moralidade, aos israelitas, mas porque no estado actual das coisas, em que uma "vitória" absoluta de um dos lados implicaria inexoravelmente uma catástrofe humana, há que insistir sempre no diálogo e na busca de soluções conciliatórias. Que só poderão vêr a luz do dia quando Israel ceder numa série de aspectos muito específicos.
Um abraço
percebo o vosso ponto, daniela e francisco, e compreendam que eu apercebo-me da dificil posição que defendo. no entanto, faço-o porque julgo necessário abordar o problema de forma mais profunda.
o processo de formação do estado israelita foi, despite all things, um processo pacífico.
nós sabemos que aquela região foi constantemente ao longo dos séculos habitada conjuntamente, entre judeus e palestinos. aquando das cruzadas cristãs, estes dois povos sofreram conjuntamente. estes dois povos viveram sob admnistração egípcia (mamelucos) e turca com uma certa prosperidade.
o "sonho" do estado israelita vem das invasões francesas no médio oriente, dos tempos de napoleão, que tencionou criar aí um estado judeu, visto que este tinha, segundo a sua opinião, reunido condições para isso.
ora, como podemos então discutir a criação de estados separados e rivais, de judeus e muçulmanos, se estes conviveram em paz e harmonia durante 600 anos, ou mais?
a rivalidade nasce dos confrontos da crescente maioria judaica com a admnistração inglesa do pós-IGuerra e as comunidades minoritárias árabes.
a escolha da ONU foi a partilha da terra santa numa área judaica e numa área árabe.
resumindo: trata-se tudo isto de uma verdadeira invasão? ou será antes uma questão de autodeterminação da comunidade israelita para com o colonizador inglês? não têm estes tanto direito à nação onde SEMPRE viveram, e prosperaram, com diferentes graus de tolerância, como a conseguida no império otomano?
esta foi talvez a conclusão a que eu não cheguei no meu texto, a do principio da autodeterminação dos povos. afinal de contas, a terra não era exclusivamente dos árabes.
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