sexta-feira, 11 de julho de 2008

tarde e a más horas

Aqui vai a resposta prometida ao comentário do Manel, num momento em que depois de tamanha agressividade moshiana ao som de Rage Against The Machine, o único elemento que me liga à sociedade é um rectângulo amarelo muito sujo e cheio de pegadas que dá pelo nome de Bilhete de Identidade.
Vamos lá então fazer disto algo melhorzito que uma "argumentação muito fraquinha", nas doutas palavras do Manel.

Não percebi bem se o Manel não quis compreender ou não compreendeu mesmo uma coisa tão simples como isto (e parafraseando a Daniela): "Bom, pelo que percebi o Francisco quis dizer que os apoiantes do milton friedman não apoiam esta teoria, porque não lhes agrada. ora, faz sentido, se alguém diz mal de algo em que acredito e profundamente defendo, é óbvio que a vou acusar de falaciosa e usar todos os argumentos possíveis para desmentir essa teoria". Claro, era isto.

Em primeiro lugar e de forma muito clara: não, a função de uma empresa não é única e exclusivamente a função lucro. Há, para mim, um dever-ser social efectivo. E isto em duas perspectivas: na perspectiva interna da empresa; e na perspectiva externa, isto é, no que a empresa acrescenta à sociedade onde se encontra a produzir.
Quanto à perspectiva interna, convém lembrar que a empresa só é empresa porque incorpora, entre outros factores (o que Marx não sabia, à data), a força trabalho: trabalhadores. E estes, conforme a maior ou menor taxa de de força trabalho incorporada no produto final, prestam um contributo maior ou menor nesse mesmo produto. Por outras palavras: sem trabalhadores, a empresa não produz; se não produz, a empresa não pode pensar sequer num eventual lucro. Ora parece-me a mim claro um aspecto: quanto maior for a motivação, o ambiente no trabalho, os incentivos e outros que tais, melhor (e eventualmente maior) será o produto final. E, eventualmente também, maior o lucro daí retirado. A função social da empresa é pois garantir à sua ferramenta-trabalhador - que, insisto, não é a única - um salário e benefícios que lhe permitam gozar de um digno nível de vida que lhe permita realizar os seus intentos pessoais (cultura, habitação, alimentação, educação, etc.). Se isto seria discutível nos séculos XVIII e XIX, e era-o efectivavamente (e infelizmente), nos dias de hoje vemos já grandes empresas, muitas delas multinacionais, a oferecer aos seus quadros profissionais condições de trabalho invejáveis: refeitórios, creches para os filhos, acompanhamento psicológico, acções de formação, etc. Precisamente porque sabem que um trabalhador motivado produz mais e melhor. Claro que não podemos fazer desta ideia um dogma. Sem dúvida. Mas que é um facto altamente generalizado, é-o. Sem dúvida também. Ora se hoje as multinacionais do sistema capitalista fazem isto, Milton Friedman é desmentido por completo.
No que diz respeito à função social externa da empresa, esta pauta-se pelo quid tecnológico, cultural, de solidarieda social, de educação que a empresa acrescenta à sociedade. E repare-se neste paradoxo: mesmo que a empresa não o quisesse - e seguindo pois unicamente a função lucro na sociedade - ela própria, involuntariamente, ao dar actividade de trabalho a um indivíduo, já estaria a alimentá-lo com algo. Já estaria a alimentar a sociedade com algo mais. O indivíduo-trabalhador já teria inexoravelmente algo de imaterialmente útil, cultural e intelectual a acrescentar ao meio social onde se encontra só pelo simples de facto de no dia-a-dia... trabalhar. Mexer numa máquina, fazer contas, negociar, transportar, etc. Tudo isto constitui um cosmos cultural e intelectual que o indivíduo, das mais diversas formas (partilhando com os outros o seu dia-a-dia; adquirindo rotinas úteis que depois aplica na sua casa, na sua família; conhecendo pessoas no trabalho e criando ligações com estas e destas criar outras; etc.), irá transportar para o meio social onde se integra. Tudo isto apenas numa conduta involuntária da empresa. Só por aqui a ideia de Friedman peca. Talvez lhe faltasse alguma profundeza filosófica acerca do ser humano como ser social artistotélico, arrisco eu dizer do alto da minha ignorância.
Mas ainda nos falta a parte da conduta voluntária da empresa na sua função social externa. Mais uma vez, fazemos um contraponto entre passado e presente: se em séculos idos, a perspectiva meramente economicista da empresa a abstinha (não involuntariamente, como já vimos) de protagonismo na sociedade, nos dias que correm a situação é diametralmente inversa. E basta atentarmos nas grandes empresas ou nas instituições bancárias: quantas delas não são hoje mecenas de fundações culturais ou solidariedade social? Basta pensar na Sonae. Ou no BES, na Caixa Geral de Depósitos e outros que tais. Aqui no Porto, por exemplo, não há evento cultural de grande dimensão onde o BPI não esteja presente. É na Fundação de Serralves, é na Casa da Música, é em todo o lado. Agora é claro que se pode dizer que estas instituições poderão só querer protagonismo pseudo-filantropo ou constituir poderosos lobbys. É possível. Mas quanto a isto já estou como o outro: se não ajudam, é porque não ajudam; se ajudam, é porque têm segundos interesses. Isto é improdutivo e não leva a lado nenhum. A ajuda é sempre bem vinda, especialmente quando estamos a falar de dimensões culturais e sociais.

Agora sobre o Chile.
Em primeiríssimo lugar: nunca niguém por aqui disse que foi Friedman o cozinheiro do totalitarismo fascizante do antigo regime de Pinochet.
Em segundo lugar (e se é que é mesmo preciso dizer isto): um regime não é fascista pelo seu líder ser parecido com Mussolini, Hitler, Timóteo ou Malaquias. Um regime é fascista quando é anti-parlamentar; anti-democrático; anti-liberal; ultra-nacionalista; violador dos direitos humanos; violador dos mais elementares direitos, liberdades e garantias; corporativista; fechado ao exterior; xenófobo. Acrescente-se aqui a clássica liberdade económica concedida aos oligarcas compadres da classe dirigente, e temos a ementa toda. Emenda que Pinochet sabia decor e salteado. Mas Manel, mais uma vez te saúdo por continuares na tua senda destruidora de ideias reconhecidas: primeiro foi a de que Igualdade não era indissociável de Democracia (no sentido contemporâneo, claro); agora vens dizer que o regime de Pinochet não era fascista. Iluminações.
Já agora, quanto à violação de direitos humanos que enunciei, sugiro-te que pegues numa máquina calculadora para contabilizar a quantidade de famílias inteiras mortas ou separadas por Pinochet. Se calhar terás razão; teremos não um regime fascista mas, mais do que isso, um regime verdadeiramente terrorista. Quer dizer, bem vistas as coisas, venha o diabo e escolha.
No plano económico, deixa-me antes de mais corrigir ai um erro matreiro: retirar o país da crise económica deixada por Allende? Que o país não vivia uma prosperidade económica, é um facto. Mas é igualmente um facto a permanência de Allende como Presidente durante… 3 anos. 3 anos apenas, que como se sabe, em política, é pouco ou nada para se apresentarem resultados. Mais: 3 anos apenas porque depois aconteceu o que todos sabemos: Allende, que havia sido democraticamente eleito, foi derrubado num golpe de estado sangrento por Pinochet, patrocinado claro está, pelos bons samaritanos americanos.
Portanto: colocado o fantoche no palco, há que mexer agora nos fios da marioneta. Quem melhor que o guru Fiedman para o fazer?
Mas o Manel vai mais longe: num país em que o fosso entre ricos e pobres cresceu vertiginosamente, diz ele maravilhas da “abertura da economia chilena”. Claro, também já todos sabemos o que foi esta abertura: investimento estrangeiro poderoso a qualquer preço, exploração da mão de obra nacional, conivência e corrupção do Estado.
E ao contrário do que afirmaste, Manel, as perseguições e torturas políticas não se dissiparam. Muito antes pelo contrário. E por uma simples e universal razão: quanto mais as pessoas são sujeitas a algo que não lhes agrada, mais tendem a revoltar-se. Quanto mais revolta há, maior e mais severa é a repressão do poder instituído. Até ao dia.
E claro que as políticas de Pinochet terão feito muito mais do que as da esquerda socialista. É que esta, que havia sido democraticamente eleita (ao contrário do regime que posterioremente se impôs pela força), foi vergonhosa e violentamente derrubada por um sanguinário a soldo dos amigos lá do norte. Quando nos tiram o pão da boca, é dificil podermos comê-lo.

Para terminar, duas notas: também nunca por aqui se disse que Friedman trabalhou para a CIA (afinal é o Manel que parece andar a sonhar com baleias cor de rosa); e quando 2+2 dá 5, Manel, é porque pura e simplesmente o teu forte não é a matemática… Lamento. Daí também te ter sugerido a máquina de calcular.

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