Ao ASL,
Como confirmou o abuso da minha parte no seu blog, e como lhe quero responder sem constrangimentos, respondo-lhe aqui.
O ASL, no seu blog, aborda as declarações da líder do PSD sobre o casamento gay, subscrevendo-as. Diz ele o seguinte (com cortes, mas sem desvirtuamentos):
O casamento é uma instituição com séculos e que pressupõe pessoas de sexo diferente. Não tenho nada que ver com o facto de haver quem opte por querer viver com pessoas do mesmo sexo, mas isso não significa que a instituição do casamento seja mudada sem mais. Se as faz mais felizes, o Estado pode e deve, em meu entender, reconhecer o direito à união de facto de pessoas do mesmo sexo, ou até chamar-lhe um outro nome qualquer, mas que não casamento e sem os benefícios fiscais que este apresenta. Se há política familiar a ser promovida pelo Estado é, por certo, no sentido dos casamentos heterrossexuais e no sentido da procriação.
Ora depois do meu (confesso) sibiloso comentário, responde-me o ASL:
O meu ponto é: as políticas de família que o Estado pretende promover são aquelas que, potencialmente, visam o aumento da natalidade. É por isto que são atribuídos benefícios fiscais por se estar casado, há subsídios dados em vários países pelo Estado por cada criança que nasce, e são feitos crescentes descontos em várias áreas de acordo com o maior número de filhos que um casal tenha, etc.
Ora, os "casamentos" homossexuais fogem a esta lógica.
Quando digo que o Estado deve promover os casamentos heterossexuais, faço-o pretendo dizer que entendo que são os únicos que devem ser tomados como tal - casamentos. Não sei ao certo como foi interpretada essa minha frase, mas quero esclarecer que não estou, naturalmente, a sugerir que o Estado faça campanhas pelos casamentos heterossexuais!!!
A frase que citaste, Francisco, é não só a minha opinião como na verdade é a própria realidade!
É a realidade pelos exemplos que te mostrei neste comentário, e é a minha opinião não só por achar também que o Estado deve (até mesmo para a sua própria sustentabilidade futura) promover a natalidade, como também pelo elemento histórico que expus no post. Bem sei, Francisco, pelo que já fui lendo do que escreveste no "Aqui há discussão", que este argumento para ti não faz qualquer sentido, mas parece-me que é daqueles que pouco se poderá discutir, uma vez que assenta em valorizar mais ou menos a tradição, e entendo que cada um de nós já tem a sua posição em relação a este assunto.
No entanto - e continuando - penso que para conciliar a política pró-família que o Estado deve levar a cabo e os desejos dos homossexuais de se casarem o Estado pode reconhecer a união de facto - ou criar um outro regime qualquer, com o nome que quiserem - entre homossexuais.
Agora, o casamento e as regalias que lhe estão inerentes devem ser assegurados pelo Estado por uma questão de respeito pela ideia de casamento e para a promoção da natalidade.
Dizer que:
ponto cruz. Antes de mais, o ASL confunde (propositadamente, talvez) família e casamento. Instituições distintas e dissociáveis. Há famílias sem casamento; há casamentos sem famílias; há famílias de casais divorciados; há casais divorciados que nunca constituiram família. Da mesma forma que cada um tem o intocável direito de constituír família, deve ter o de casar. Com quem bem lhe apetece.
ponteiro. O Estado não tem como função apoiar as "famílias "que, potencialmente, visam o aumento da natalidade". Isto é abjecto. Portanto: estando eu com a minha companheira (casados ou não), e imaginando que eu sou impotente ou a minha companheira infértil, o apoio do Estado cessa? Ou, no mesmo caso, mas fazendo uma inseminação artificial, como funciona agora o apoio do Estado? É que, potencialmente, sendo eu infértil, o meu acto sexual não visa potencialmente o aumento da natalidade. Complicado.
ponto nenhum. As políticas de família que o Estado pretende promover não são as que visam potencialmente a natalidade, tanto que muitas vezes elas visam precisamente o contrário. E aí os benefícios funcionam justamente a contrario.
pontão. Os casais homossexuais não fogem, como se viu, à dita "lógica". No máximo, fogem à lógica da ignorância e do anacronismo cultural e social.
ponto solitário. O Estado não tem que fazer campanha por nada nem por ninguém. Reconhecer iguais direitos a homossexuais, heterossexuais, bissexuais ou transsexuais não é campanha. É Justiça. E Igualdade.
pontilheiro. Qual elemento histórico? Isso existe? Hm, talvez de facto exista em virtude da marginalização e repressão a que a homossexualidade tem sido votada há séculos e séculos. Porque ela sempre existiu. Tal qual a heterossexualidade. Só que uma era vista como "natural" e a outra como "contra-natura" (calma, que ainda vamos ter aqui um comentário duma pessoa que usa esse termo no século XXI) e, mais do que contra-natura, como humilhante, vexante. O porquê destes três atributos? Ignorância.
Por outro lado, e sendo do meu conhecimento que o ASL, tal como eu, é estudante de Direito, recomendo-lhe que leia o livro que aqui mencionei há uns tempos: "O Casamento entre pessoas do mesmo sexo". Compreenderá como a CRP não recebe qualquer sentido histórico quanto à fraseologia "casamento".
ponto de interrogação. Se o Código Civil apenas permite o casamento de famílias para procriação, porque não proíbe também o casamento entre homens impotentes, mulheres inferteis ou pessoas de tal forma idosas que já não têm a possibilidade (pelo menos no que toca à sua própria segurança) de engravidar?
ponto de honra. A questão está precisamente aí, caro ASL. Os casais homossexuais não querem um regime "especial" ou "diferente". Ou será que os homossexuais, como seres humanos, são diferentes? Alguns aliens de orientação sexual duvidosa? Recorde-se que nos EUA e na OMS a homossexualidade foi retirada do cardápio de "doenças" na década de 80 e 90, respectivamente. Os casais homossexuais querem usufruir dos mesmos direitos que usufruem os casais heterossexuais. Só isto. Igualdade não é mais do que isto. Tratar igual o que é igual.
Eu fiz a promessa e vou cumpri-la. Aqui está o "contra-natura" de um comentador do blog do ASL. Disfrutem (não é todos os dias):
As pessoas têm de entender de uma vez por todas que a homossexualidade é uma coisa contra-natura, que as marchas do orgulho gay não são mais do que tremendas faltas de pudor e actos de infantilidade. Parece a promoção de um produto na moda, o que só descredibiliza os homossexuais. (Há obviamente homossexuais que como qualquer pessoa minimamente decente preservam a sua intimidade ... para aqueles de quem são íntimos!!!)
ASL, a meu ver, é redundante dizer que "Se há política familiar a ser promovida pelo Estado é, por certo, no sentido dos casamentos heterrossexuais e no sentido da procriação"! A política familiar diz respeito ... à família !!! Será que alguém concebe família como sendo dois homens ???
E mais não digo.
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5 comentários:
ASL: "Aproveito para acrescentar que é lamentável que a imprensa tenha incidido a entrevista nos casamentos homossexuais quando, segundo o que me informei, grande parte dela foi dirigida às políticas do Governo." Talvez até seja verdade, não vi ainda a entrevista, mas também me parece curioso que Manuela Ferreira Leite não se tenha esquecido de referir esse "ponto". Como sabemos, recentemente corria o rumor que José Sócrates seria homossexual, mais tarde de que fazia isto e aquilo para arranjar trabalho à jornalista Fernanda Câncio que, por sua vez, é defensora (inabalável, ao que parece) do direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Mais curioso se torna quando Manuela Ferreira Leite já repeliu a ideia do "centrão". Questiono-me sobre o que Sócrates pensará.
Francisco, há duas coisas diferentes:
- Apoio do Estado à natalidade
- Promoção/ Reconhecimento de certos contratos como casamento por parte do Estado
Aquilo que fizeste foi misturar as duas coisas: dizer que defendo que o Estado deve reconhecer como casamento as uniões entre pessoas que podem vir a aumentar a natalidade. Não foi isso que disse.
Defendo que:
(i) as políticas de família a seguir pelo Estado devem ser aquelas que promovam o aumento da natalidade, logo, todos os descontos e benesses que existem de acordo com um maior número de filhos não se pode enquadrar, como me parece óbvio, nem nos casais homossexuais, nem, como agora lembraste, nos casais inférteis! Parece-me lógico...
(ii) os casamentos a serem reconhecidos como tal por parte do Estado devem ser entre pessoas de sexo diferente tendo em conta um elemento que, para mim, tem imenso valor: o histórico!
Acho muito bem que se crie um regime para as uniões entre homossexuais oficialmente reconhecidas, mas não são casamentos porque um casamento (civil) é, por definição, um contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente com vista à comunhão de vida. Logo, se há duas pessoas do mesmo sexo a quererem celebrar esse contrato, então, não sendo de sexo diferente, esse contrato terá outro nome! Será outra coisa que não casamento!
O Código Civil apenas permite o casamento de famílias para procriação?
Ana, olhando para o perfil da presidente do PSD, custa-me imaginar a dr.ª MFL por um lado a voltar à questão da orientação sexual do eng. Sócrates, e por outro a vir a público, depois da entrevista, a dizer: "É uma injustiça estarem a sobrevalorizar a questão dos casamentos gays quando eu falei tanto das políticas do Governo." Noutros políticos talvez fosse expectável; na dr.ª MFL não!
Eu também não disse que ninguém referiu expressamente fosse o que fosse. Todos nós sabemos que a insinuação é bem mais poderosa.
De qualquer maneira, não posso, nem quero, provar nada. Trata-se de uma opinião pessoal.
Quanto ao elemento histórico, não vou negar que ele existe, mas achas mesmo que se deve sobrepor à mudança que nós, ao fim ao cabo também intervenientes da história, desejamos?
Dizes que a tua opinião tem a ver só com a necessidade de um apoio do Estado à natalidade (com o qual estou de acordo), mas estás a querer confundir casamento com ter filhos. Quero com isto dizer que se uma mulher, por exemplo, decide ter filhos, mas não se casar, ela deve ser apoiada igualmente, porque o que se passa de facto é o mesmo que com uma mulher casada que decide ter filhos. Estão grávidas e vão ser mães (sejam lésbicas, casadas, divorciadas, mães solteiras, etc.).
O casamento é um compromisso entre duas pessoas adultas. Essas pessoas escolhem fazê-lo. Há uma grande diferença.
Clarificando, acho que seria discriminatório decidir-se manter a definição de casamento com base no teu argumento. As políticas de incentivo à natalidade devem existir, sim senhor, mas devem ser completamente independentes do casamento. Fica bem.
ASL,
apenas reafirmar dois aspectos, porque de resto não alteraste em nada o que havias dito e por mim rebatido:
ii) Fazes do elemento "histórico" algo inelutável. Quando não é. Basta pensar de uma forma algo redudante: se esse elemento histórico fosse tão marcante, porquê que há quem não o reconheça? Porquê que há quem diga que para si o casamento é entre pessoas e não exclusivamente entre homem e mulher? É o meu caso.
(pré)Histórico vai ser o termo com que daqui a 100 ou 200 anos, os estudiosos e intelectuais vão qualificar o atentado à Igualdade que representa esta pseudo-vexata quaestio.
O Código Civil dispõe no 1577º: "Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família (...)". Ora como já aqui explicitei, o casamento não serve para constituir família. Pode ou não servir. Da mesma forma que duas pessoas juntas, casadas ou não, podem ou não constituir família.
Por curiosidade: subscreve o comentário de um leitor do seu blog que para aqui transcrevi?
Francisco,
Não é por um dado elemento ou princípio não ser aceite por todos que deixa de ser marcante. Os princípios democráticos devem suportar uma eleição, e no entanto há pessoas que os subvertem. Não é por isso que deixam de ser marcantes.
Quanto ao CC, devo dizer que tenho algumas reservas quanto ao ponto de “constituir família”. Pelo simples facto de um casal se casar já está a constituir família; não precisa de ter filhos para que isso aconteça. Portanto, não diria que o CC prevê a procriação como condição para a celebração do casamento.
Eventualmente, se aquilo que o CC pretendesse definir fosse no sentido que sugeres, então devo dizer que discordo do princípio subjacente! Aliás, como já tive oportunidade de expor que o reconhecimento por parte do Estado de certos contratos como sendo casamentos não deve depender da procriação. A questão da natalidade foi uma questão que abordei paralelamente a propósito dos apoios que o Estado dá aos casais que têm filhos.
Quanto ao comentário do L. Romão, não, não subscrevo. Não sei qual o sentido exacto que o L. Romão quis imprimir ao falar das paradas gays, mas aquilo que tenho a dizer sobre o assunto é que não as entendo tendo em conta os objectivos dos homossexuais. Se os intervenientes nessas marchas querem e lutam por uma maior aceitação por parte da sociedade, estando no lugar deles, com toda a certeza que não promoveria esses eventos. Parece-me que a única reacção que obtêm das paradas é o choque, não a sensibilização.
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