terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Era uma travessa de Serviço Nacional de Saúde, se faz favor.

José Sócrates solicitou e o Ministro da Saúde foi-se embora. O Ministro da Saúde foi-se embora e todos aplaudem: a população porque foi ouvida, o Governo porque, depois de tanta saliva engolida, acha que se aproximou da vontade do povo, fazendo com que a saliva valesse a pena. Menos contente deve estar alguma oposição. Outra felicita, outra espera para ver. Há posições para tudo.
No entanto, José Sócrates continua a ser assobiado. Continua, mesmo quando aparece oficialmente para dar a notícia, e não se percebe bem porquê. O primeiro passo já o fez descolar da posição fetal: a nova Ministra já apareceu. Em meio dia não se podem prestar provas.
E então, aqui, há uma bifurcação. Os centros de saúde fecham surpreendentemente nas zonas com mais idosos por metro quadrado. As urgências fecham e as grávidas têm os filhos no percurso de 40km para a urgência mais próxima. E depois, claro, a corrida para a fronteira (numa insanidade semelhante às Intermitências da Morte). Espanha consegue ser maior e mais parecida com a Europa. A Europa sonhada pelos Socialistas, com todas as reformas sociais e os serviços nacionais de saúde grátis para todos. Mas Portugal continua a definhar, como se os anos passassem e isso não implicasse evolução. Como se cortar nas despesas de saúde fosse aumentar o preço do tabaco ou cortar nas exportações de abacate russo.
Do outro lado da bifurcação, temos a moda de criticar Sócrates que é quase como mudar de cuecas pela manhã. Todos criticam um bocadinho, todos fazem a sua achega, e muitos não sabem do que estão a falar. Todos criticam, como se o homem morto nas urgências por baixo da maca fosse culpa do Sócrates, como se a parolice do pessoal do INEM e dos Bombeiros Favaios fosse culpa do Sócrates. É moda criticar o Sócrates, só porque é fixe, afinal “eles é que têm a culpa toda!” mas fazer mais e fazer melhor não, que isso dá muito trabalho. Era muito bonito ter aqui um sistema de saúde como os nórdicos, agora fazer descontos é chato, enganar a Segurança Social é que é fixe e se eu puder hoje sair do trabalho sem ninguém dar por mim, é que era.
O povo deve levantar-se e gritar quando lhe pisam os pés. O povo pode fazer e deve porque os seus pés têm vindo a ser calcados muitas vezes, mas a crítica, para ter peso e não deixar de ser essencial na conduta dos governantes, deve ter a consciência como suporte. Pela Democracia.

Sobre o episódio INEM-Bombeiros ver o vídeo do Ricardo Araújo Pereira. Muito bom.

9 comentários:

Francisco disse...

Gostei do texto, Sara.
Sobre esta questão, sugiro que vejam a entrevista do advogado e socialista António Arnaut que passou há cerca de duas horas na SIC Notícias. António Arnaut foi um dos socialistas do PS presente no primeiro governo constitucional pós 25 Abril e fundador do SNS. A clareza e inteligência das ideias mostram que, não obstante a sua idade e o distanciamento do seu governo, as suas ideias e a visão do que deve ser um Estado Social continua a ser muito importante e necessária. Sobretudo nos dias de hoje.
A entrevista deve repetir. Na pior das hipóteses tentem encontrá-la no youtube.

D. disse...

isto lembra-me algo...ah sim, uma conversa ao fim da tarde dentro de um certo carro. muahahaha

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

só me pareceu que falhaste no fim.
eu achoo que antes de mais, para as pessoas actuarem com principios, é preciso apostar na formação e educação delas. e também é preciso que elas sintam o exemplo da classe politica, que é algo que nao tem.
mais preocupado estou eu em diminuir a despesa, que para mim, é insuficientemente atribuida a culpa à funçao publica.

Sara Morgado disse...

Sim, claro que é preciso apostar na educação. Isso é e será sempre o motor de avanço.
Quanto à função pública já discordo. Não há qualquer comparação entre função pública e privados. Na função pública há muitos e muitos funcionários que passam o dia em frente a um computador sem fazerem nada, a receberem 300 contos limpos e com todos os benefícios de saúde, etc. Mas lá está, isso também acaba por passar pelas mentalidades/educação...

Francisco disse...

Sara, penso que querias dizer 300 euros... O que no entanto não é possível, dado o salário mínimo nacional ser uns benevolentes 400 e poucos euros.
Por outro lado, não conheço ninguém na função pública que receba 1500 euros limpos estando ou não em frente a um computador sem fazer nada. E já agora, é só na função pública que se ocupa o tempo de trabalho em frente a um computador sem fazer nada? É que parece-me a mim que não...
E depois temos o Paulo Teixeira Pinto, esse homem trabalhador.

Um abraço

Sara Morgado disse...

O pessoal das polícias e da Caixa Geral ganha isso e às vezes mais. E muitos fazem realmente pouco...
Nos privados é diferente, isso só acontece nos altos quadros.

Manuel Marques Pinto de Rezende disse...

mas sara... estás a defender a privatização?

D. disse...

a diferença é que nos privados trabalhas mais, ganhas menos, não tens direito à ADSE e outros que tais, recebes o ordenado quando o patrão se lembra que pode pagar, muitas vezes o patrão não faz descontos sobre o valor que realmente ganhas e outras que tais nem sequer recebes o ordenado. não uma privatização, como é óbvio, mas um tratamento igual entre os trabalhadores da função pública e privada, pois não me parece justo uns terem benefícios face a outros.

Sara Morgado disse...

Não defendo a privatização.
Como é que poderia defender um sector onde os trabalhadores têm poucos ou nenhuns benefícios sociais e estão à mercê do patrão?
É por isso que digo que a função pública pode gozar de um estatuto, por comparação, demasiado elevado.
Deveria existir uma razão lógica entre horário/sacrifícios e ordenado/benefícios, independentemente do sector.