segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Viva!

Finalmente ganho algum tempo para a blogosfera.
Ricky, há muito tempo que estou para comentar os teus escritos. Por falta de tempo não o pude fazer nem aqui, nem no Almanaque.

Vamos então por partes, visto que entretanto as dissertações se foram alongando.

1. Maquiavel
Começo por uma citação tua: Sou profundo defensor de Maquiavel.
Mas o que é ser defensor de Maquiavel? Acho muito complicado poderes afirmar isso de forma tão peremptória. Em primeiro lugar, pela eterna dúvida quanto ao maquiavelismo: será ele um manual ou lição de instruções e conselhos a um político ou chefe de uma comunidade? Ou será um relato e uma constatação clara e corajosa dos meandros políticos? E admitindo-se esta última, será então uma gigante sátira e crítica à classe política do seu tempo? Ou será apenas um alerta às gerações futuras? Questões demasiado importantes, no meu entender, para serem contornadas.
Por outro lado, insisto, como ser defensor de Maquiavel? As ideias, por mais intemporais que sejam, têm o seu contexto e local de aplicação. Penso ser incorrecto e distorcido (e até um pouco ingénuo) acreditar que o fim último da Política seja o de Maquiavel: conquistar e manter o poder político. Acreditas mesmo nisto? A política e o poder não são só isso. Podem ser, e acredito que para muitos o seja. Mas não é, nunca foi e dificilmente virá a ser. Porque uma coisa é quebrar barreiras morais e religiosas na análise ao fenómeno político; e aí acho ser unânime que assim se faça, glória seja feita a Maquiavel. Outra coisa é, baseando-se num conceito de amoralidade, generalizarmos fenómenos de uma forma uniforme, sem atender a especificidades complexas e importantíssimas. O fim último da Política não é conquistar e manter o poder, insisto. Poderia recorrer às definições filosóficas gregas do termo ou a pensadores mais próximos de nós, mas penso ser desnecessário; considero mais relevante a perspectiva pessoal de cada um. E aqui, a minha perspectiva (utópica, ingénua, inocente, chamem-lhe o que quiserem) é claramente outra: o fim último da Política será sempre o que está na sua génese: o bem-estar dos Homem. Sempre; em qualquer parte do mundo; em qualquer altura da História.
Engraçado é também o único fim que colocas como hipótese contrária à "conquista e manutenção do poder": instabilidade. São portantos estas duas, do teu entender, as únicas motivações do homem enquanto autoridade de uma comunidade de homens? Repara que fazer política não é apenas um fenómeno inerente a um Estado ou Governo. Podes fazer política como chefe de um departamento de trabalho, composto por numerosos indivíduos. Serão a instabilidade e a "conquista e a manutenção do poder" as únicas saídas possíveis para a realização da tarefa? Ou a tua reputação, a dos teus trabalhadores, a tua satisfação, a dos teus trabalhadores, a tua motivação, a dos teus trabalhadores,... constituirão também factores de avaliação do teu desempenho?
Ainda sobre a (a)moralidade, tocas noutro ponto interessante. Portanto, dizes tu que a amoralidade legitima que não faça sentido que o homem distinga entre regimes sãos ou bons e regimes degenerados ou maus. Deste ponto de vista, eu, como ser amoral que digo ser, afirmo que o regime nazi foi um regime como outro qualquer. Mais: foi apenas um mau regime porque Hitler só o conservou até à segunda guerra mundial quando o devia ter feito até hoje, porque aí sim, seria um verdadeiro e justo Príncipe. Estás a ver até onde a a amoralidade nos pode levar? Não faças dela um dogma... pode ser perigoso!
E já que me referi ao III Reich, então o que dizer dos seus meios? Se o seu fim era a "Solução final", porque não enclausurar e eliminar milhões de pessoas por serem etnica, racica ou culturalmente diferentes? Mais uma vez: cuidado com os dogmas! Não, os fins não justificam os meios. Ou podem justificar. Tal como disse no início, é fundamental termos em conta o contexto e a aplicação do que nos é dito.
Depois comparas o "idealismo puro" de Erasmo com o que consideras o virtuoso realismo de Maquiavel. Entre idealismos pacíficos e realismos cruéis, eu opto pelo primeiro...

2. No Há Discussão
Cometes, em meu entender, outra falácia, quando partes outra vez para a generalização, mas desta vez com contornos verdadeiramente totalizantes. Dizes tu que é "natural" que quando um indíviduo chega a algum cargo de chefia ou poder, tenha como objectivos primordiais a acumulação de prestígio e a manutenção desse cargo. Antes de mais, não percebo como é que, tendo essa concepção conspirativa do poder, possas mesmo assim idolatrar Maquiavel. Consideras os políticos autênticas máquinas do poder e da ganância (embora muitos de facto o sejam), mas depois apoias o realismo de Maquiavel. Em que ficamos? Reconheces o que de errado se passa mas depois preconiza-lo? Não haverá outra solução?
Não, desculpa, mas não concordo contigo. A natureza do homem não é essa, ou não é sempre essa. Eu pelo menos acredito e quero continuar a acreditar nisso. Rosseuanismo, talvez. E aqui podemos incluir Hobbes, que tu próprio mencionaste e precisamente pela concepção da natureza do homem que ele elabora. Antes de mais, digo-te que, de todos os autores abordados, ele e Marx (embora este já seja uma paixão antiga) foram os que mais me fascinaram. Mas o facto de Hobbes me fascinar não implica que reconheca veracidade (completa, pelo menos) às suas construções teóricas. Hobbes, na minha opinião, erra em alguns aspectos. E o primeiro, e talvez o mais importante, é até exterior a ele e reforça o que tenho vindo a salientar neste texto. É imprescindível uma contextualização histórica das ideias e pensamentos. Ora Hobbes, como é do vosso conhecimento, escreve em pleno caos e desordem civil e em função de um regime que pretende apoiar como solução para a anarquia reinante. Qual seria a concepção da natureza do homem de Hobbes se tivesse vivido numa outra época? Uma outra nota: comprei o Leviatã há uns dias, e na extensa introdução/prefácio que Richard Tuck faz da obra refere que o autor nem sempre fez o juízo de valor do homem e das relações humanas que faz neste livro...

3. Breve nota a Péricles
Péricles foi eleito durante 15 anos, certo. Mas suponho que saibas que o conceito de "eleição" não é o que hoje conheces. Não me vou alongar muito sobre esta questão, porque os conceitos de "eleição" e "democracia" grega e de hoje são tão díspares que, na minha opinião, os 15 anos de Péricles no poder não podem ser analisados e louvados da forma que o fazes.

4. EUA e maquiavalismo
Sobre isto vou-vos dar uma sugestão pessoal.
Se quiserem compreender o fenómeno maquiavélico na administração norte-americana detenham-se umas horas a analisar e compreender a série 24 Horas. E façam-no seguindo estes pontos: data de factos e situação política americana e data da produção e estreia da série; actuação da administração no que toca ao "terrorismo" e inimigos de Jack Bauer; formas utilizadas pela administração norte-americana para a todo o custo "lutar" pelo free world e formas de actuação (!!) do herói da série; resultado da política externa da administração americana e êxito de Jack Bauer; legitimidade e credibilidade dos EUA desde que iniciou a guerra ao terrorismo e poder mediático série.
Experimentem. É tudo tão claro...

Um abraço e boa sorte para todos amanha

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