Convicção e pragmatismo, improviso e acções extravagantes. França é surpreendida constantemente assim como os seus colegas estrangeiros.
Este é o meu ponto de partida neste domingo escuro e chuvoso (em contradição óbvia com o Sarkozy luzidio e dinâmico do Henrique).
Antes de mais, convicção e pragmatismo não são, no meu entender, critérios. Quantos seres iluminados existem na política inundados de convicção e pragmatismo? Muitos. Se lhes perguntarmos quais deles detêm essas virtudes, todos dirão de forma muito séria e confiante que efectivamente as possuem. Mas já que este ponto me parece particularmente subjectivo, e penso ser importante ir até ao fundo da questão, quantos estadistas convictos e pragmáticos já nos passaram pela frente, sem que isso tenha representado algo de substancial para o país? Seja o nosso, seja um outro em qualquer parte do mundo. Já para não falar de ditadores sanguinários... todos eles muito convictos e pragmáticos na sua singela governação. À convicção pessoal e governativa, Henrique, contraponho as convicções, no sentido epistemológico de ideológia e filosófia política. E quanto a este tipo de convicções, Sarkozy poucas tem (como aliás, a maior parte da classe política dominante ocidental). E as que tem são, aí sim, genuinamente pragmáticas: desregulação do mercado de trabalho (separação das pastas ministeriais do Emprego e do Trabalho, por exemplo), desmantelamento do sistema social, repressão da imigração de forma institucional (criação do "Ministério da Imigração e da Identidade Nacional"),... "pragmatismo" puro e duro. No que toca a este último ponto, só faltava, à imagem dos seus compinchas americanos, construír um muro na costa do Mediterrâneo tal é a aversão aos migrantes africanos...
Uma última palavra para o que dizes ser "improviso e acções extravagantes": desse tipo de atributos, recordo a divinal vodka russa que Putin partilhou com Sarkozy e que lhes proporcionaram momentos infindáveis de camaradagem. Improvisação e extravagância aos montes...
Na UE, Sarkozy tem resumido a sua actividade a uma aproximação notória à administração Bush e à suas políticas e a pequenas querelas com Angela Merkel. Recentemente terá reforçado a sua presença, em virtude de umas sms trocadas com Sócrates sobre esse glorioso Tratado de "Lisboa". Não vejo portanto o papel extremamente activo e empreendedor de Sarkozy em política externa.
Depois é engraçado, Henrique, como fazes mais uma vez o tipo de raciocínio paradoxal que já tinhas revelado em posts anteriores. Reconheces uma coisa como prejudicial; aceita-la; preconiza-la. Fizeste-o com Maquiavel; fizeste-o com o medo de Sócrates em submeter o tratado a referendo popular; e fazes o mesmo agora. Ora reconheces que "ele conta com o apoio dos grandes patrões dos meios de comunicação do país" (palavras tuas) mas não vês nenhum impedimento nisso. Teremos conceitos de democracia e livre informação assim tão díspares? Então o Presidente de um país detêm uma importante posição junto daqueles que informam (e formatam) os cidadãos, e está tudo bem? Viva Berlusconi!! E quanto à vida privada de Sarkozy, meu caro Henrique, se ele fizesse a cuidadosa gestão da mesma que dizes fazer, nós não saberíamos, sem precisarmos de ler revistas cor de rosa, que o homem foi deixado pela mulher porque esta tinha um amante ou que entretanto anda perdido de amores pela cantora e escritora Carla Bruni (pudera, também eu me perderia de amores!).
Passemos agora aos pontos por ti focados:
1. Não sei que personalidades de extrema-esquerda serão essas que Sarko foi recrutar. Quantos às ditas de "esquerda", isso foi efectivamente feito e é de louvar. Por outro lado, é de questionar o convite aceite por essas mesmas personalidades de esquerda, quando estamos a falar de um Governo ultra-liberal como pretender ser o de Sarkozy. Onde estão as convicções de que falamos há pouco? A nomeação das três mulheres de raízes africanas (Rama Yade nos Direitos Humanos, Fadela Amara na Habitação e Urbanismo e Rachida Dati) são sem dúvida sinais muito positivos! O já citado Ministério da Imigração e da Identidade Nacional é que mancha esse progresso...
2. Sarkozy aproximou-se, como já tinha dito atrás, dos EUA. Hm... e? Quais são os dividendos dái retirados que eu não consigo ver? Colaboração e conivência com uma administração corrupta, totalmente descredibilizada, belicista, imperialista (é-o de facto, caguemos nos eufemismos!) e desrespeitadora dos Direitos Humanos dos quais diz ser porta estandarte?
3. A normalização das relações com Angola, não conseguida por Chirac, tem uma explicação. É que este ainda tinha os direitos humanos e a democracia como príncipios inerentes às relações de política externa. Para Sarkozy, outros valores falam mais alto. Assim se explica, que tenha "normalizado" relações com um ditador, com todas as letras, de seu nome José Eduardo dos Santos (JES). É que a elite política europeia parece que tenta esconder este déspota dos olhares da opinião pública, preferindo só puxar as orelhas a Mugabe ou Omar Bashir. Como JES, apesar de ditador, abre o país (e o petróleo) às multinacionais estrangeiras a preços irrisórios, não convém muito chatear este senhor. Realpolitik no seu melhor...
Por isso, muitos parabéns Sr. Sarkozy: conseguiu ser amigo de um tirano que vive num espaçozinho faustoso bem isolado e diferente do seu próprio páis miserável onde, passado tanto tempo e tanto dinheiro a circular, a esmagadora maioria da população continua a viver na miséria das misérias.
Desculpa Henrique, mas o teu herói Sarkozy tem pouco de herói. Muito menos de génio. Tem muito de engenharia política, isso sim, convém. Mas também tem muito de xenófobo, muito de elitista, muito de medianismo. Sarkozy é um outro Sócrates: os mesmos programas neoliberais e a mesma postura autoritária com a agravante de incluir neste brilhante repertório tiradas racistas e perigosas. A grande diferença para Sócrates, é que Sarko tem o estilo de machão, de durão. E isso os media adoram.
Deixa-me só que te diga que em Julho, quando estive em Paris, me impressionei verdadeiramente com a quantidade de "Fuck Sarzoky" que encontrei nos postes, nas paredes, nas paragens de metro, ...
Antes de me despedir queria só tocar no post do Almanaque publicado pelo shara (Nélson) acerca de Guantánamo. Fez mais um ano em que este complexo de condições desumanas continua a receber e albergar aqueles que os reaccionários bushistas apelidam de "terroristas". É a hipocrisia americana no seu melhor. Mais uma página de ouro (a par das torturas da CIA, da prisão de Abu Ghraib e outras que tal) na história da grande nação democrática norte-americana... O tempo passa e as coisas permancem inalteráveis. O que irão dizer as gerações vindouras deste atentado à vida e à pessoa humana? Vai-lhes ser difícil de acreditar...
Um abraço
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2 comentários:
Sento-me, olho em frente e aplaudo... Totalmente de acordo em praticamente tudo. Principalmente ma questão africana que por mera falta de tempo não referi na crítica prévia ao "post" do Henrique. A postura de um homem que de iluminado só tem a "candeia" enquanto "escrevinha" fofocas que alimentam a impressa cor-de-rosa.
Abraço....
eu diria antes que o sócrates é um outro sarkozy.
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